quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Crônica: Mosaico

Mosaico de Tomie Ohtake na Escola Maria Imaculada, em São Paulo.


Faz pouco mais de três, ou algo assim, ele ganhou um presente. Dentro de uma bela caixa de cor azul-marinho, um diário com capa de couro escuro, levemente avermelhado, e páginas em branco de papel de boa qualidade. Não deu muita atenção ao diário, demorando-se apenas no cartão singelo e com poucas palavras de lembrança de seu aniversário. Deixou-o num canto da mesa. O tempo passou e a caixa foi se perdendo entre papéis, bilhetes, pastas, relatórios. A mesa de trabalho parecia engolir aquela lembrança que descansava silenciosa e que de tempos em tempos atraía seu olhar.

Ganhara de uma pessoa ainda pouco conhecida. Agradeceu o presente com um email, pois vinha de longe, e afinal era um gesto gentil de uma conhecida. Porém, a cada dia as conversas entre os dois tornavam-se mais frequentes. Brotava, daquele relacionamento nascido de um encontro casual, algo mais tangível, mais palpável. Pensou em abrir aquele diário e anotar alguns diálogos, algumas coincidências, algumas estórias e deixar registrados os bons momentos. A preguiça o impedia de fazê-lo, ainda que mergulhasse em devaneios sorridentes após uma lembrança dela. O diário captava seu olhar e era como se escrevesse nele com o pensamento, como se os monólogos mentais fossem transcritos com a força do pensamento naquelas páginas.

Ela, de forma atenciosa, tinha a paciência para ouvi-lo. Ele, timidamente, descobria naquelas conversas um mundo novo de sentimentos estranhos. Ela, corajosa, despia seus temores emocionais e aflições diante daquele homem que não estava mais distante. Ele, alegremente, tratava de revelar as qualidades raras daquela amiga e brincava como criança nas conversas que estendiam por tardes a fio. Ela, sorridente, contagiava-o com suas estórias divertidas. Ele aprendia o que era uma amizade verdadeira.

Num final de tarde qualquer, pouco antes de terminar o expediente, notou que a luz do sol que adentrava por uma fresta da cortina repousava sobre a caixa azul contendo o diário. Uma luz forte e amarelada destacava da bagunçada mesa aquela caixa submersa e quase afogada por jornais não lidos. A atração foi irresistível. Tirou a caixa debaixo dos papéis e abriu o diário com a determinação de escrever. Não tinha reparado que havia algo escrito por ela, aguardando pacientemente que ele descobrisse. Palavras prontas para despertar de um sono profundo. Na primeira página do diário, uma frase escrita em bela caligrafia feminina: "A amizade é um enorme mosaico composto de fragmentos unidos por lágrimas e sorrisos e um constante querer estar próximo." Ele não conteve as lágrimas silenciosas que deixou escorrer e molhar o papel.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Trechos e fragmentos


"Eu tentava acreditar nesta história que tinha inventado para mim mesma, nessa história que ainda invento e que é a única capaz de me dar alguma resposta. Nessa história a mais descabida, mas também a mais real. Não sei até que ponto são verdadeiras as histórias do meu avô, até que ponto que é verdadeiro o que vivo agora. Nem mesmo sei se é verdadeira a minha viagem. Parece que quanto mais me aproximo dos fatos, mais me afasto da verdade."

(Tatiana Salem Levy, A Chave de Casa, Record, 2007, p. 99)


Depois de ter seu livro premiado, o post que escrevi sobre Tatiana Salem Levy passou ser um dos mais lidos neste blog. Resolvi pegar o livro novamente e procurar um trecho para guiar um texto novo. Abri o livro aleatoriamente, como faço tantas vezes em busca de algo grifado, ou de algo que me chamasse a atenção. Encontrei o trecho transcrito acima.

A vida é uma viagem. Pode parecer irreal nos momentos de tristeza e nos momentos de intensa alegria. Estes episódios são fragmentos que conduzem a um questionamento – ou simplesmente passam despercebidos até que retornam à mente com uma luminosidade e compreensão não imaginada antes. Quantos pequenos acontecimentos nos causam perplexidade e dúvida? Quantas encruzilhadas se nos apresentam ao longo do caminho? Quantas vezes, na escuridão da noite – ou do dia -, alguém nos acena com um ponto de luz capaz de descortinar e clarear o que nos cerca?

A realidade traz estes fragmentos, pequenos trechos de capítulos, que reluzem nos momentos exatos. O tempo é sábio e aguarda que estejamos preparados para nos revelar a verdade dos fatos. A viagem é real. Os momentos bons são reais. Os momentos que não parecem ser bons são reais e um enorme aprendizado.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Paulicéia




A garoa fina banha os edifícios de concreto armado. Verão de matizes e tons gris. O aroma sulfuroso e denso que paira sobre a megalópole exalado pelos inúmeros veículos, que como formigas se alastram pelo labirinto de asfalto. Pontes, viadutos, ruas, avenidas. Concreto. Asfalto. Do preto ao cinza, com várias nuances. Rio que lhe corta, mas não sangra, pois a vida se lhe escapou há anos. Rostos sisudos, frios, fechados são o espelho da aridez construída. Arranha-céus que sufocam o pequeno menino a caminhar numa calçada esburacada. Paulicéia inóspita? Paulicéia robotizada?


Ao completar 455 anos, a descrição parece refletir a imagem de São Paulo na mente de tantas pessoas. Pesquisa do Ibope indica que 70% dos paulistanos não mudariam de cidade. Por detrás desta imagem – e de todos os problemas -, São Paulo tem a sua beleza e um ritmo intenso e feroz. É uma cidade dinâmica, que cresce e modifica-se de forma alucinante com transformações constantes. É uma terra de oportunidade, que valoriza e premia os ousados e dedicados cidadãos. É uma terra de beleza escondida, miscigenada, cosmopolita.


A visão melancólica da terra da garoa, de uma cidade hostil, se desfaz na forma como a cidade, sempre de braços abertos, recebe seus novos habitantes vindos de todas as partes do Brasil e do mundo. Basta olhar para suas quaresmeiras que começam a florescer, na arquitetura moderna de prédios novos que convivem com construções preservadas de um passado glorioso, nos rostos variados que desfilam pela Avenida Paulista, no luxo da Rua Oscar Freire, no verde do Parque do Ibirapuera, que a verdadeira imagem de São Paulo se descortinará.


Aqui nasci e aqui cresci. Aqui vivo com o orgulho de ser paulistano, ainda que alguns digam que tenho alma carioca.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Revisão Ortográfica

Tenho dedicado os últimos dias a ler sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa e a nova ortografia. Confesso que ler jornais e textos após a virada do ano tem sido uma experiência estranha. Palavras como voo, leem e tantas outras que tinham acento – e perderam o acento – causam estranheza. Procuro escrever certinho, escrever direito, mas até o corretor ortográfico do Word insiste em manter a forma antiga de escrita de algumas palavras.

Não vou sentir falta do trema, mas já sinto falta de alguns acentos. A questão do hífen também me deixa inseguro. Voltemos a estudar. Meu novo livro de cabeceira no trabalho é "A Nova Ortografia", de Evanildo Bechara (Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2008) que vai me socorrer nos momentos de dúvida.

Este blog não conta com uma revisão dos textos, salvo por este que escreve. Portanto, se houver erros – e erros há -, a culpa é exclusiva minha. Fiquem à vontade de comentar e apontar os erros. Acho que todos nós estamos aprendendo a nova dinâmica da língua. Aprendi a importância da revisão de textos no blog do escritório, que conta com uma excelente revisora, o que garante que os equívocos não escapem.

Por outro lado, a nova ortografia exige que voltemos a estudar a língua e garante um pouco mais de atividade cerebral neste mundo em constante mudança.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Rio deslumbrante

Eliane Elias é um dos nomes de destaque do jazz brasileiro. Cantora de sucesso internacional vem dar um pouco de sonoridade a este blog no feriado carioca.

Há inúmeras canções que refletem o Rio e sua beleza deslumbrante. Poderia escolher qualquer uma delas, mas vou ficar com a mais tradicional. Uma canção que canta a beleza do Rio e a beleza que povoa o Rio.

Aos cariocas que leem (agora sem acent0) este blog, aproveitem o feriado!

domingo, 18 de janeiro de 2009

Protógenes e outras maravilhas brasileiras

Tenho evitado tratar de assuntos políticos nos últimos posts, mas a leitura dos jornais do fim de semana me impedem de ficar calado. Para quem não gosta do tema, é simples, não leia o post.

O primeiro destaque vai para o Delegado Protógenes Queiroz. Segundo reportagem do Estadão, o Delegado espionou o advogado Nélio Machado, defensor de Daniel Dantas. A conduta do Delegado é inadmissível e algo desconhecido até nos tempos da ditadura militar. Caiu a máscara de Protógenes. O suposto defensor da legalidade e bastião contra a corrupção revela que utiliza de métodos próprios, alheios ao Estado Democrático de Direito. A lei de Protógenes, como já escrevi neste blog, não é a lei vigente no país (leiam nos posts Sigilo, Estado e a Lei e O Delegado Protógenes). Triste e lamentável!

Lamentável também foi a decisão do Ministro da Justiça, Tarso Genro, de rejeitar o pedido de extradição de Cesare Battisti, terrorista italiano condenado em seu país pelo assassinato de 4 pessoas. Battisti foi condenado a prisão perpétua e fugiu para o Brasil, um país onde a lei vale para alguns, mas não vale para aqueles que são amigos do rei. Na minha modesta opinião, a decisão foi um grave equívoco e o Brasil sofrerá as consequências desta triste decisão.

Vale lembrar, num futuro não tão distante, que o Brasil negou asilo político a dois boxeadores cubanos durante os Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro. Claro, nosso presidente é muy amigo do chefe da ilha.

Para ficar na linha das declarações do nosso presidente, ele declarou apoio à proposta de reeleição infinita para Hugo Chávez. Alguma senha ou mensagem subliminar para a nossa realidade?

E não poderia esquecer do fato mais importante da semana. Começou o BBB9. Sabem quanto tempo vou dedicar a este importante e enriquecedor programa? Nenhum segundo, pois acho uma enorme perda de tempo.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Na bagagem


Em qualquer viagem que faço visito uma livraria. Viagens a lugares distantes, então, permitem gastar boas horas folheando livros em busca de novidades. Livro novo traz consigo uma aura de mistério, de expectativa, de algo inesperado e surpreendente. Nem sempre cumprem com este desiderato, mas são um convite à aventura. Gosto do cheiro de livro novo, das folhas abertas pela primeira vez. É como perfume que toca na pele pela primeira vez e revela uma mistura de aromas peculiares. Um universo aromático que desperta os sentidos e incentiva a imaginação.

Na bagagem, alguns livros de economia, uns dois ou três clássicos da literatura americana, um livro recente – Seven Days in the Art World, de Sarah Thornton – e alguns CDs. É, eu ainda compro CDs, apesar de que o preço nos EUA começa a não compensar. Sai mais barato comprar por aqui ou fazer o download direto da iTunes Store da Apple. Aproveitei para comprar mais um cartão pré-pago para manter-me atualizado com as novidades musicais.

Em ambos os casos – literatura e música -, vou atrás de novidades, de algo que estimule a criatividade, de algo que apresente uma visão diferente daquela à qual estamos acostumados. O problema é sempre o peso dos livros na mala. No final, compensa fazer um pouquinho de força pelo prazer que as horas de leitura renderão.


Levei comigo Nada, de Carmen Laforet, que terminei nos primeiros dias e comentarei por aqui nos próximos posts. Um delicioso livro escrito por uma jovem escritora espanhola em 1944 que foi premiada e louvada como uma das mais importantes obras espanholas do século XX. O estilo narrativo combina com os dias quentes de verão e pode ser uma ótima companhia para quem ainda vai sair de férias.


terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Beleza Gratuita

Sol Poente, de Tarsila do Amaral



Quase onze e meia da noite quando entrei no quarto e uma lua cheia despontava pela janela na altura dos olhos. Clara, brilhante, faltando apenas uma pequena parte para formar uma perfeita circunferência. Noite quente, abafada e sem vento em São Paulo. Fui até a janela apreciar o céu e a noite. Minha rua estava com as luzes dos postes apagadas. Parecia convidar a lua a iluminar o pequeno trecho, suprir a falta da luz elétricas dos cinco postes com um luar, como uma noite no interior, onde é possível ver a própria sombra em plena noite.




Fiquei alguns segundos a imaginar estórias para aquele cenário. Um carro parado na rua poderia ter um casal de namorados refugiando-se no escurinho; uma pessoa sozinha poderia temer caminhar por aquele trecho em que não conseguia avistar e evitar surpresas da cidade violenta; alguém na janela poderia simplesmente observar a lua se erguer e desenhar as sombras no asfalto. Tive vontade de sentar no computador e escrever, mas não consigo escrever com gente bisbilhotando, perguntado, vigiando. Escrever precisa ser solitário. Parece que a inspiração dissipa-se como um fantasma que foge assustado ao notar a presença de um observador. Rabisquei algumas idéias no papel, mas fiquei com aquela imagem urbana na cabeça antes de dormir.




O ciclo do dia oferece-nos momentos de beleza gratuita, de beleza natural. Basta parar e observar. O dia de ontem em São Paulo foi quente, mas o final de tarde foi esplendoroso, lindo. Estes momentos se tornam ainda melhores em boa companhia, com um bom papo. Assim é o nascer do sol, no verão ou no inverno, com variações de matizes; assim é o poente, com o rubro vivo do verão quente, ou um vermelho róseo no inverno; assim são as noites de lua cheia com seu brilho prateado. Assim a natureza nos brinda com sua beleza gratuita.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Final das férias

Este blog tirou uns dias de férias. Foram 20 dias pela primeira vez em 6 anos que o editor não fugia deste jeito. Fui ver a crise de perto, in loco, até aonde a visão não alcançava mais...e não precisei cruzar o Atlântico, como já havia explicado nosso presidente.

Pretendia escrever durante as férias, mas não escrevi. Descansei o corpo e deixei a mente vagar para cultivar novas idéias que brotaram em muitos posts durante este mês. Fiquei quase que completamente desconectado do mundo, mas não resisti a enviar um ou outro email curto do celular ou pelo computador do hotel para uma certa pessoa neste nosso querido país.

Esta a razão da minha ausência. Agradeço a todos os votos de Feliz Natal e próspero 2009, que retribuo neste post. 2009 já começou e vamos começar com força total. Que seja um ótimo ano para todos que por aqui passam!