terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Tarde, de Vinicius de Moraes



TARDE

Na hora dolorosa e roxa das emoções silenciosas
Meu espírito te sentiu
Ele te sentiu imensamente triste
Imensamente sem Deus
Na tragédia da carne desfeita.

Ele te quis, hora sem tempo
Porque tu eras a sua imagem, sem Deus e sem tempo.
Ele te amou
E te plasmou na visão da manhã e do dia
Na visão de todas as horas
Ó hora dolorosa e roxa das emoções silenciosas.

(As Coisas do Alto. São Paulo : Companhia das Letras, 1993, p. 47)



Pinço um único verso:

E te plasmou na visão da manhã e do dia

A visão da manhã espelha a tua beleza, plasmada na luminosidade nascente, na explosão de cores, num espetáculo diário. E gratuito. Há comparação mais bela do que esta do poeta?

sábado, 18 de fevereiro de 2012

A obra monumental de Portinari


Guerra, Candido Portinari


"Entre 1952 e 1956, Candido Portinari realizou seus dois últimos e maiores murais, Guerra e Paz (14 x 10 m), encomendado pelo governo brasileiro para presentear a sede da ONU, em Nova York. 

Localizados no hall de entrada da Assembleia Geral, os monumentais painéis estão em local nobre porém de acesso restrito. Por esse motivo, o Projeto Portinari sempre sonhou em expor Guerra e Paz ao grande público."
(Trecho extraído do artigo publicado no livro 'Guerra e Paz - Portinari', editado no ano do cinquentenário da instalação dos painéis na sede da ONU, NY e transcrito no folheto da mostra no Memorial da América Latina, São Paulo).

Os painéis são monumentais, impressionantes, repletos de detalhes que convidam à reflexão e uma olhar atento e demorado. Seus 14 metros de altura preenchem o Salão de Atos Tiradentes do Memorial da América Latina, em São Paulo até o dia 21 de abril, quando seguirão pelo Brasil e outros países, até seu retorno à ONU, em 2013. 

Portinari abraçou o projeto mesmo tendo sido proibido por seus médicos de continuar a pintar. Os médicos tentavam amainar o processo de envenenamento causado pelas tintas.  Ele seguiu adiante e completou sua obra, um legado para toda a humanidade, um retrato das angústias da guerra e da alegria da paz. 

Portinari morreu pela arte que lhe deu vida, pelas tintas que o imortalizaram. 

Além dos dois maravilhosos painéis, a mostra traz cerca de 100 estudos realizados pelo artista antes da elaboração dos painéis. 

Programa imperdível e que pode ser aproveitado com a cidade mais vazia durante o carnaval.

Guerra e Paz, de Portinari 
Exposição dos painéis pintados por Candido Portinari
Período: 7 de fevereiro a 21 de abril de 2012
Local: Fundação Memorial da América Latina,
Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664,
nos seguintes espaços:
Salão de Atos, Galeria Marta Traba e Biblioteca Latino-americana Victor Civita.
Horário: terça a domingo, das 9h às 18h
ENTRADA FRANCA

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Conto: Só Você


SÓ VOCÊ



Caminhavam lado a lado num final de tarde de pleno verão, a conversa alegre, a voz feminina que deixava notar uma alegria discreta e contida; ele mais ouvia do que falava, mas gostava assim. O sol iniciava sua saída do palco exuberante da geografia carioca e deixava a sombra tingir o paredão de prédios na Graça Aranha. O movimento intenso no Centro começava a amainar  com as pessoas procurando o metrô, os coletivos, a barca, o caminho de seu repouso. O céu azul completava o cenário quase perfeito, como se desenhado e projetado pelo melhor e mais genial cenógrafo. Haveria algum cenógrafo capaz de imaginar e conceber uma cenário como a Cidade Maravilhosa? Improvável, só Ele poderia ser capaz de presentear aqueles dois seres que caminhavam imersos em sua conversa, em seus sorrisos, em seus olhares.

Estavam tão próximos que ele teve vontade de segurar a mão dela, de sentir seus dedos entrelaçados com os dele, algo que parecia tão distante, quase esquecido. Andar de mãos dadas deixara de ser algo presente e se tornara um hábito da juventude, de paixões intensas e efêmeras, de momentos do passado, guardados e esquecidos. Desabituara-se a tal gesto.

Foram alguns quarteirões em busca de um ponto de táxi, ele torcendo para não encontrar nenhum, ela estendendo seu caminho, ambos evitando o momento da despedida. A saudade cobra sua fatura quando a despedida se aproxima. Chegado o momento, na esquina da Graça Aranha com a Santa Luzia, abraçaram-se. O abraço apertado, mas cuidadoso para não ressurgir a dor nas costas que ela sentira poucos dias atrás, as mãos deslizando pela maciez do tecido da blusa.

Ele fechou os olhos instintivamente e apertou-a contra seu corpo, como se ela fosse sua única tábua de salvação em alto mar e que pudesse lhe conduzir pelas águas turbulentas após um naufrágio. Não havia solidão espaço para solidão e nem para a saudade. O breve momento parecia congelar o tempo e tudo ao seu redor perdera a importância. Difícil é deixar partir! O longo abraço de despedida era uma vã tentativa de eternizar o momento e impedir que a inevitável partida.

Um beijo no rosto, um sorriso e a partida.

Entrou no taxi e acompanhou-a com o olhar encantado.

O sol poente tingiu o céu de tons róseos. Avistou o Cristo ao entrar no Santos Dumont. Lá de cima, Ele parecia sorrir e esperar um agradecimento pelo dia. Uma breve oração que brotou do coração.

Aconchegou-se na cadeira do avião, do lado direito, na janela. Tudo calculado e pensado. Reparou na música que brotava calmamente do alto-falante do avião. Os versos coroavam a peça da qual tinha sido protagonista. Além de cenógrafo, Ele é bom sonoplasta. E com Tom Jobim ecoando, ele novamente fechou os olhos e começou a acompanhar a letra:

É, você que é feita de azul
Me deixa morar nesse azul

Me deixa encontrar minha paz
Você que é bonita demais
Se ao menos pudesse saber


Ela estava bonita demais naquela tarde. A tarde estava bonita demais, mas ela estava mais. Ele O avião decolou, fez uma curva para a esquerda, logo para a direita e ele avistou Copacabana iluminada com a noite caída. Desejou-lhe boa noite e seguiu pensando nela. A saudade acalmada, mas sentida. A verdadeira dimensão da saudade só é notada no momento do reencontro, quando o tempo revela sem piedade o peso da ausência.

Alguns dias depois, quase que por acaso – ou novamente guiado pelo cenógrafo, sonoplasta e diretor – encontrou uma pequena mensagem escrita por ela: “Dia feliz hoje! Muito feliz!” Olhou a data e sorriu.


NOTA: Caro leitor, se a música de Tom Jobim lhe é desconhecida, escute-a aqui.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Epígrafe - XIV

"De repente, vi-me ao seu lado sem a ansiedade de partir. Então me disse que seria o momento de parar. Estava cansado de tanto destino incerto, da solidão disfarçadas nas viagens. Em cada lugar, novas pessoas, novos encontros e, dentro de mim, o sentimento constante de ser tão só."

(Tatiana Salem Levy. Dois Rios. Rio de Janeiro : Record, 2011, p. 204)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Notas Políticas: greve de policiais e privatização dos aeroportos


Duas breves notas sobre eventos dos últimos dias: a greve dos policiais na Bahia e a privatização dos aeroportos.

Na Bahia, a greve dos policiais militares transformou o estado e instalou-se uma situação de verdadeiro caos e terror. O governador Jaques Wagner (PT) sumiu.  Seu sumiço é sinônimo de omissão e um indicativo claro de que o PT não tem política de segurança pública. Fala-se em defender o direito de greve, como se o direito de greve pudesse solapar os direitos dos cidadãos à segurança. O governador recorreu ao governo federal e o ministro da Justiça assumiu a interlocução. O clima ficou tenso, houve confronto e eis que surge o governador num discurso tipo Dilma, sem pé nem cabeça, sem coerência, sem lógica. Tergiversou, palavra usada com frequência na última campanha presidencial. Não se pode admitir grevista de arma em punho! A Constituição não garante este direito aos militares, incluindo os policiais militares.

No Rio Grande do Sul, os policiais ameaçam entrar em greve na próxima semana. O governador Tarso Genro (PT) ameaçou e foi desafiador. 

Dois estados governados pelo PT e a política salarial para a segurança pública fica em segundo plano. Um discurso na campanha, outro prática. Não se trata de coincidência.


Ontem foram privatizados 3 aeroportos: Cumbica, Viracopos e Brasília. O PT, eterno demonizador das privatizações parece ter acordado para a realidade. Demorou 9 anos para reconhecer sua incapacidade de gerir os aeroportos e fazer os investimentos necessários de infraestrutura aeroportuária.  Curioso como não foram ajuizadas ações judiciais, não houve questionamento de editais por parte de sindicatos e centrais sindicais, não houve greve. Fosse num governo de outro partido, a grita seria geral. Fosse num governo de outro partido, algum deputado viria a público afirmar que os ágios obtidos (mais de 600% no aeroporto de Brasília) seriam a confissão clara de que o preço definido no edital era muito baixo, que o patrimônio público estava sendo dilapidado e entregue a preço para a iniciativa privada. Bem, o PT sucumbiu à realidade e à sua incompetência na gestão da coisa pública. Os aeroportos e os passageiros agradecem o bom senso que finalmente iluminou a presidente.

Esperamos apenas que Palocci e José Dirceu não tenham atuado como consultores dos consórcios vencedores.