terça-feira, 17 de setembro de 2013

Todos os olhos em Celso de Mello


Amanhã o Ministro Celso de Mello proferirá seu voto acerca do cabimento de Embargos Infringentes na Ação Penal no. 470 (caso do Mensalão). A votação está empatada em 5 a 5. O voto provocará o desempate - para o bem ou para o mal.

Trata-se de questão processual e há argumentos sólidos dos dois lados, mas parece-me que o ponto central pode ser resumido em forma vs. conteúdo. Qual deve prevalecer?

Espero que a decisão seja contrária ao acolhimento dos Embargos Infringentes. Tantas vezes ouvi que o  Supremo interpreta a Constituição, mas sempre há um viés político. Agora, é preciso que o viés político seja deixado de lado para privilegiar a cidadania e a crença da população no Judiciário. 

O acolhimento dos Embargos representará o inexplicável triunfo da impunidade, da corrupção e de políticos que fazem uso da coisa pública, como se privada fosse. A população não vai entender e isto poderá gerar uma justiça amplamente desacreditada. A lentidão da justiça já é de difícil explicação e a sua imprevisibilidade ainda mais complicado. O corporativismo que impera no Judiciário tem prejudicado a efetiva prestação jurisdicional capaz de pacificar conflitos. 

Amanhã será um dia de grande importância e será um momento histórico no Judiciário brasileiro. Vamos aguardar.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Viva a independência!





Feliz o povo que desfruta da verdadeira independência, que sabe pensar sozinho, que sabe se indignar diante dos desmandos, descasos e mentiras.

Feliz o povo que usa a arma do voto para eleger aqueles que compartilham de suas ideias e de suas virtudes, de seus princípios e de suas crenças.

Feliz o povo que é livre e não é sujeito a manipulações, à propaganda enganosa, a programas de governo de cunho demagógico.

Feliz o povo que vai às ruas para protestar e para delinquir.

Feliz o povo que coloca a lei acima do dinheiro, que coloca o bem comum acima de interesses pessoais, que tem a sorte de contar com líderes preocupados em servir, e não em serem servidos.

Prisão aos corruptos! Liberdade de expressão ao povo! Mais educação e menos corrupção.

País rico é país com povo que sabe pensar!

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Conto: Jogo da Memória


JOGO DA MEMÓRIA


Nunca se sabe o que um novo dia nos reserva. A agenda previa uma longa, tensa e cansativa reunião na parte da tarde, que muitas deixavam de ser tensas e se transformavam em tediosas revisões de contratos prolongadas por advogados ávidos em aumentar o número de horas trabalhadas. A consequência era esfaquear um pouco mais o cliente combalido. Bastava o fato de ter que sair do escritório e dirigir até a Vila Olímpia, um microcosmo do caótico trânsito de São Paulo adicionava o tempero negativo do dia. Mas, obrigações são obrigações e ele não deixaria de cumpri-las.

O trânsito colaborou, o prédio modernoso era simpático e a sala de reunião muito bem iluminada com luz natural. A máquina de Nespresso, objeto que parece ter se tornado tão obrigatório em qualquer sala de reunião quanto televisão de tela plana, era uma tentação para um bom café após o almoço. A conversa fiada com o cliente foi regada a um bom espresso e amenizou a tensão que pairava no ar. A outra parte atrasou um pouco, mas a inconveniência da espera se dissipou como a fumaça de um cigarro que se dispersa no ar após algumas piruetas. 

A adversária que entrara no ringue de batalha enfraqueceu o espírito beligerante. Era uma bela mulher, baixa, cabelos castanhos pouco abaixo do ombro, traços finos, despida de anéis e unhas sem esmalte. O olhar dela despertou-lhe a memória que se viu incomodada. Algo naquele olhar lembrava-lhe de alguém. Enquanto as formalidades iniciais eram cumpridas, ele mergulhava dentro de si na tentativa de um resgate de memória.

A memória é curiosa e marota. Gosta de pregar peças, gosta de provocar e de atiçar. Por anos foi atormentado por um perfume floral. Bastava sentir aquele aroma que a imagem de uma antiga namorava se materializava, tanto quanto a raiva que sentia por ela depois da inevitável dispensa. No fatídico dia, ela exalava o aroma que se tornara tão odioso. Mas, sua pródiga memória reunia tons de voz, sotaques, trejeitos, tiques, músicas. Oscilava e transitava por todos os sentidos, compondo lembranças das mais variadas e muitas alegrias. Nem só de amargura, ódio e tristeza vivia sua memória. 

A turbulência que se desenhava foi rapidamente superada com a primeira intervenção da colega. O sotaque carioca, irritante para muitos paulistas - inclusive seus clientes -, soava-lhe qual sinfonia magistral. A entonação e o timbre de voz rapidamente permitiram que ele decifrasse a charada. Sua memória foi ágil e eficiente. Em poucos segundos deixara a Vila Olímpia e estava conversando sobre música na velha e inesquecível Modern Sound, numa manhã de junho, em insuperável companhia. 

A cada palavra, cada gesto, deixavam a semelhança ainda mais inquietante. Sorria por dentro, discreto, contido, tentando disfarçar sua perplexidade diante do jogo da memória, diante da surpresa do dia, diante de tantas coincidências. Num dia que parecia tão azedo e tão sem perspectivas, a vida provocou-lhe a memória de forma a transformar a tarde em verdadeira viagem no tempo.